Outro acontecimento importante que marcou Freud foi
o relato da experiência de um médico também de Viena, o Dr. Josef Breuer, conceituado médico de família, amigo de
Freud, com o qual mantinha frequentes conversas sobre assuntos científicos.
Freud se interessou muito pelo relato que Dr.
Breuer fez a respeito de um tratamento que realizou em 1881-82 com hipnose. A
paciente era uma mulher altamente dotada que sofria de grave histeria. Essa
paciente, a qual Breuer chamou de Ana O., apresentava paralisia com contraturas,
inibições graves e estados de confusão mental. Esses sintomas tiveram melhoras
quando ele colocou a paciente em hipnose profunda e a fez contar o que lhe
oprimia o espírito. Hipnotizada ela recordava e fazia conexões dos sintomas com
as vivências fortemente emocionais quando cuidou de seu pai doente. Os sintomas
haviam surgido quando fortes impulsos foram reprimidos. Por exemplo: A paciente
contou a Breuer que, quando escutou uma música na casa vizinha e teve vontade
de ir dançar, repreendeu-se de ter tido esse pensamento estando seu amado
pai muito doente. Assim, no lugar da
ação omitida, ir dançar, apareceu uma tosse persistente.
O procedimento terapêutico que Breuer utilizava
para tratá-la consistia em induzir a enferma, sob hipnose, a recordar os
traumas esquecidos e a reagir a eles com intensas exteriorizações do afeto.
Esse procedimento foi chamado de catarse. O objetivo terapêutico era fazer com
que o montante de afeto empregado na manutenção do sintoma tomasse as vias
normais, onde podia chegar à descarga sem causar sintomas.
O interesse de Freud pelo caso fez com que o mesmo
fosse relatado em seus detalhes por Breuer e depois escrito no livro que
produziram em conjunto em: Estudos
sobre a histeria.
Esse livro, publicado em 1895, relata atendimentos clínicos e de como o sintoma
dos pacientes se originaram do represamento de um afeto, energia psíquica que é
transformada num sintoma de conversão. O sintoma histérico surge quando o afeto
de um processo psíquico bastante investido afetivamente é reprimido e se
converte em inervações somáticas (conversão).
Portanto, as pacientes não mentiam, nem fingiam
como muitos pensavam, padeciam de uma enfermidade psíquica. Freud referindo-se
ao caso de Ana O. escreveu:
“Pela primeira vez, um enigmático caso
de histeria foi penetrado e suas manifestações patológicas revelaram-se dotadas
de sentido.”
Os tratamentos
clinicos que Freud começa a realizar com essas pacientes eram tratamentos muito
diferente do tratamento médico até então. Não usava o olho clinico, nem um
conhecimento cientifico previamente construído. Ele próprio se sente surpreso
com o rumo que foi tomando o trabalho que estava desenvolvendo. Inicia a
discussão do caso Elisabeth Von R , nesse mesmo livro, dizendo:
“Eu nem sempre fui um psicoterapeuta. Na verdade, fui
preparado assim como outros neuropatologistas para empregar diagnósticos locais
e eletroprognósticos. Portanto, causa-me ainda estranheza verificar que os
relatos de casos que escrevo possam ser lidos como novelas e que, como se
poderia dizer, careçam de cunho científico. Tenho de consolar-me com a reflexão
de que é a natureza do assunto que é evidentemente responsável por isso, e não
qualquer preferência minha. Diagnóstico local e as reações elétricas não levam
a nada no estudo da histeria, enquanto uma exposição pormenorizada dos
processos psíquicos, tal como estamos habituados a encontrar nas obras de
escritores e poetas, me permite chegar, com o emprego de algumas fórmulas
psicológicas, a alguma compreensão sobre o curso dessa doença.”
Localização e prognóstico fazem parte da
ciência médica. Na escritura do livro A
Interpretação dos Sonhos Freud construiu o conceito de um novo objeto de
conhecimento: o Inconsciente. É em função das características desse objeto que
as ciências humanas não são adequadas para fazer avançar os estudos das
questões relacionadas ao psiquismo humano.
Para que a descoberta do inconsciente não fosse
associada apenas às pessoas enfermas, Freud escreveu a obra A Interpretação dos Sonhos,
Sonhar, sonhamos todos,
os sujeitos ditos “normais” e os doentes.
A psicanálise é uma ciência conjectural, progride por interpretação.
Après Coup, só depois saberemos. Freud não tinha hipóteses fixas prévias, tinha
perguntas, se deixou levar pelo próprio estudo e foi surpreendido pelas
descobertas. Diferente das ciências positivistas que têm uma hipótese que será
comprovada ou refutada, Freud estava aberto às novidades do descobrimento.
Escutou também o que os cientistas da época falavam sem saber, um
conhecimento que estava circulando, do qual se faziam comentários jocosos, chistes, um saber inconsciente, mas que até
então ninguém tinha levado a sério numa pesquisa rigorosa e sem preconceito.
Esses registros e estudos clínicos mostram a importância da
escrita, para o estudo teórico e prático
da psicanálise. A psicanálise é uma nova escritura sobre a história relatada
pelo paciente. O relato produzido no divã é o mais próximo da escrita. Escrita
de uma nova história e produção de outra vida, dirá Lacan.
Também podemos pensar que não é uma mera
coincidência que a descoberta do
inconsciente tenha sido realizada por um grande leitor dos clássicos e de
poesia. Freud recebeu o Prêmio Goethe de Literatura pelo conjunto de sua obra.
Um autor contemporâneo de Freud disse que ele era “Um científico num corpo de
poeta.”
Anelore Schuamnn
psicanalista
(A Psicanálise: Ruptura e abertura a
um novo pensamento científico
parte 2 - Seminário INICIAÇÃO À OBRA DE S. FREUD)