Jacques Lacan, foi um
psicanalista francês que fez um insistente trabalho de releitura de Freud e de transmissão da psicanálise na segunda metade do século XX.
Ele, Lacan, em seu texto
Posição do Inconsciente no Congresso de Bonneval (1960, e retomado
em 1964) esclarece e recorda, num parêntese, sobre o termo nachträglich escreve “que fomos o
primeiro a extraí-lo do texto de Freud”.
O
Nachträglich de Freud foi traduzido
(pois criticou, achou muito primária a tradução que havia deste termo ao
francês) por Lacan com o termo Après coup
e, só depois foi a sugestão de
MDMagno para a tradução ao português no Seminário I de Lacan.
Quando dizemos uma
frase: por exemplo, “Seu pai...” e a interrompemos, não se sabe o que ela quer
dizer. É só quando eu pronunciar a última palavra, é só no ponto final da
frase, que o sentido vai ser possível, por retroação: “Seu pai morreu.”
Assim também um livro,
só ao seu término construímos inúmeras compreensões sobre ele. E, a morte de
uma pessoa é que vai também fechar as significações da vida dela. Essa maneira
de conhecermos algo só depois de algo mais acontecer, é o que chamamos o tempo
do inconsciente, o só depois, o après coup. Enquanto estamos vivendo algo, não podemos
ter ideia do que constitui, de compreender este ato. Um ato só é compreendido,
e especialmente, em psicanálise, um ato, ou um fato, só é convertido em fato
psíquico em uma segunda vez, que a constitui, como ato, ou fato psíquico.
Ora vejamos o exemplo
que o próprio Freud traz ao falar de Joãozinho, Juanito, ou pequeno Hanz, um
dos seis grandes casos clínicos que trabalha em sua obra.
Neste caso, Freud
emprega o termo Nachträglichkeit que
é um neologismo dele (no caso substantivou o termo Nachträglich, que é um adjetivo).
Neste caso do Joãozinho,
vemos que é “só depois” que Joãozinho pode se dar conta que...
Foi só num momento posterior
à castração em si que Joãozinho se deu conta “das ordens e ameaças feitas na
infância”. E Freud afirma que há casos de pacientes nos quais o intervalo entre
o primeiro fato e esta contribuição, que como que constrói significação ao fato
primeiro, pode chegar a muitas décadas.
Transcrevo aqui Freud
textualmente para podermos tomar como ponto de partida deste tema.
“Constituiria um dos
processos mais típicos se a ameaça de castração produzisse um efeito adiado (nachträglich), e se agora, um ano e três
meses depois, ele fosse oprimido pelo medo de ter de perder essa preciosa parte
do seu eu. Em outros casos de doença podemos observar uma semelhante operação
adiada (ou um semelhante efeito retardado
ou ainda “retroativa”) (nachträgliche
Wirkungen) de ordens e ameaças feitas na infância, casos nos quais o
intervalo chega a cobrir várias décadas, ou até mais. Conheço até casos nos
quais uma ‘obediência adiada’ (o sentido é de obediência a
posteriori , como se a obediência viesse a cumprir posteriormente uma ordem
antiga) (“nachträcliche Gehorsam”) sob
influência da repressão desempenhou um papel preponderante na determinação dos
sintomas da enfermidade.
“A parcela de
esclarecimento dado a Joãozinho, pouco tempo antes, quanto ao fato de que as
mulheres não possuem ‘fazedor de pipi’ (como ele chamava) estava fadada a ter
apenas um efeito destruidor sobre sua autoconfiança e a ter originado seu
complexo de castração. Por essa razão é que ele ofereceu resistência
à informação, e pela mesma razão ela não produziu efeitos terapêuticos. Seria
possível que houvesse seres vivos que não tivessem ‘fazedor de pipi’? Se assim
fosse, não mais se poderia duvidar de que eles pudessem fazer desaparecer seu
próprio pipi e, se assim fosse, transformá-lo em mulher!”
(Análise de uma Fobia em um Menino de Cinco Anos -1909). (Os
esclarecimentos dos termos em alemão estão no Dicionário Comentado do Alemão de Freud de Luiz Hanns – 1996).