segunda-feira, 27 de março de 2017

O MAL-ESTAR NA CULTURA







"A cultura obedece ao império da necessidade psíquica, pois se vê obrigada a subtrair da sexualidade grande parte da energia que precisa para o seu próprio consumo. Assim, agiria como um povo ou uma classe social que submetera outra a sua exploração. O temor de rebelião dos oprimidos a induziria a adotar medidas de precaução mais rigorosas. Nossa cultura europeia ocidental representa o ponto culminante desse desenvolvimento: negou a existência das manifestações da vida sexual infantil; a eleição de objeto foi limitada ao sexo contrário e a maior parte das satisfações extragenitais proibidas, pois consideradas perversões. A imposição de uma vida sexual idêntica para todos, implícita nessas proibições, desconsidera as diferenças da constituição sexual inata ou adquirida dos homens, privando a muitos deles do gozo sexual. Ainda, a única via aberta, o amor heterossexual, é menoscabado por restrições de legitimidade e de monogamia. A cultura atual nos daria claramente a entender que apenas está disposta a tolerar as relações sexuais baseadas na união única e indissolúvel entre homem e mulher, sem admitir a sexualidade como fonte de prazer em si, aceitando-a tão só como meio de reprodução humana que até então não poderia ser substituído."

Sigmund Freud - 1930


Fragmento da aula "O mal-estar na Cultura" ministrada por Eliane Marques no Seminário "O mal-estar na Sociedade Contemporânea" no dia 25 de janeiro de 2017.


terça-feira, 4 de outubro de 2016


Os riscos da vida. Medo de assumir o futuro. (parte 1)


 "O suicídio faz com que os amigos e familiares se sintam seus assassinos". 
(Vicent Van Gogh) 
 
O termo suicídio foi utilizado pela primeira vez em 1737 por Desfontaines. O significado tem origem no latim, na junção das palavras sui (si mesmo) e caederes (ação de matar). Esta conotação especifica a morte intencional ou auto-infligida. Num aspecto geral, o suicídio é um ato voluntário pelo qual um indivíduo possui a intenção e provoca a própria morte. Pode ser realizado através de atos (tiro, envenenamento ou enforcamento) ou por omissão (recusa em alimentar-se, por exemplo). 

Mais de 1 milhão de pessoas cometem suicídio a cada ano, tornando-se esta a décima causa de morte no mundo. Trata-se de uma das principais causas de morte entre adolescentes e adultos com menos de 35 anos de idade. Entretanto, há uma estimativa de 10 a 20 milhões de tentativas de suicídios não-fatais a cada ano em todo o mundo.  

As interpretações acerca do suicídio têm sido vistas pelo aspecto cultural em temas existenciais como religião, filosofia, psicologia, honra e o sentido da vida. Albert Camus escreveu certa vez: "O suicídio é a grande questão filosófica de nosso tempo, decidir se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma pergunta fundamental da filosofia." As religiões abraâmicas, por exemplo, consideram o suicídio uma ofensa contra Deus devido à crença religiosa na santidade da vida. No Ocidente, foi muitas vezes considerado como um crime grave. Por outro lado, durante a era dos samurais no Japão, o seppuku era respeitado como uma forma de expiação do fracasso ou como uma forma de protesto. No século XX, o suicídio sob a forma de auto-imolação tem sido usado como uma forma de protestar, enquanto que na forma de kamikaze e de atentados suicidas como uma tática militar ou terrorista. O sati é uma antiga prática funerária hindu, na qual a viúva se auto-imola na pira funerária do marido, seja voluntariamente ou por pressão da família e/ou das leis do país.

Até aqui como uma introdução ao assunto. E vou pegar por um lado, um viés o assunto. Articulando esta maneira de saber que “tudo” sobre “Os riscos da vida. Medo de assumir o futuro” não posso falar hoje numa palestra, esse assunto pode render um Seminário anual inteiro, quem sabe, mas o que quero dizer é que esta é a maneira da psicanálise, já saber de antemão que há um limite, somos limitados, assim também uma palestra é limitada. Não podemos dizer tudo!  E mesmo ao falar, preciso dizer uma palavra após a outra, não tenho como falar tudo. Me submeto às leis da linguagem para falar. Assim é a vida do humano. E tomo o risco de dizer algo, uma parte, de escolher que parte, porque tudo já sei que não poderei. 

Podemos pensar esta questão do risco... há riscos na vida! Me arrisco a falar de uma parte do tema, no exemplo que dei. Mas também no cotidiano, o risco de passar no sinal vermelho... Há profissões que lidam com o risco de vida, mais que outras, um automobilista, um bombeiro... Há vida em si é um risco. É frágil, como dissemos tantas vezes: um bebê humano, se alguém não cuida, morre. Mas a criança já maiorzinha, o adolescente, o adulto também precisa se cuidar para não morrer!  
E há aqueles que por algo inconsciente, se arriscam além dos limites, põem em risco suas vidas, por assim dizer: testam a morte! Arriscam cada vez mais para testar os limites, ultrapassar os limites. Estão como que testando a morte! Talvez se pensem imortais e “com eles não vai acontecer nada”.  Tomando o Carnaval agora, por exemplo, o não uso da camisinha em relações com muitos parceiros, é um risco, é por sua vida e a do outro em jogo!  

Freud aborda em Psicopatologia da Vida Cotidiana (1900) à tendência autodestrutiva de muitos sujeitos, evidente ou camuflada, explícita ou encoberta com aparência de acidentais, mas que testemunham uma inclinação de larga data, inconsciente e sufocada, a provocar dano a si mesmo. Diferencia ... 

Me ocorre aqui um exemplo, da música “As curvas da Estrada de Santos” ..., mas que ao final o autor afirma: Mas se um dia um grande amor eu encontrar, nas Curvas da Estrada de Santos, eu não vou mais passar. Não, não vou mais passar!” 

Aqui não chega a ser um ato falho, mas pode acontecer um ato falho, a pessoa se “distrair” e “sobrar” numa curva, acontecer um acidente e vir a morrer neste acidente. 

Retomando a Freud, afirma: “O caráter comum aos casos benignos e aos graves, caráter do qual participam também os atos falhos e casuais, está na possibilidade de referir os fenômenos a um material psíquico incompletamente reprimido, que é rechaçado pela consciência, mas ao que não se despojou de toda a capacidade de se exteriorizar.” 

Pois um ato falho pode matar, como num acidente! 


Parece, então, que a psicanálise atua como preventivo também do suicídio. 


             Aula ministrada pela psicanalista Lúcia Bins Ely no curso "Psicanálise na Atualidade" no verão de 2015.