3. A ruptura
das ciências:
Ruptura
é produto efeito de um trabalho teórico. O mecanismo da produção da ciência
gera um distanciamento da realidade, há uma ruptura com a realidade. Cada vez
que for produzido um conceito, um símbolo, vai acontecer esse distanciamento da
experiência sensível.
Exemplo
de ruptura: onde o sol nasce e onde ele se põe? Uma experiência diária,
milenar. Olho o sol, reconheço sua existência como um astro celeste, mas se
desconheço seu movimento real confundo seu movimento aparente, que percebo com
os meus sentidos, com o movimento real. Utilizando apenas a percepção produzo
uma teoria com a ilusão dos meus sentidos e digo: o sol nasce a leste e se põe
a oeste. Hoje podemos dizer que essa é uma noção imaginária, porque já temos a
teoria copernicana. Teoria revolucionária que nos ensina que a percepção dos
nossos sentidos, o mais evidente, é precisamente ilusório.
Copérnico,
com sua produção teórica, produziu uma ruptura com as teorias anteriores
descentrando a terra do centro do universo.
Esse conhecimento científico já a tempo
conquistado segue sendo cotidianamente negado. Mesmo que tenhamos estudado a teoria
heliocêntrica podemos ser enganados pela nossos sentidos e continuar afirmando
que o sol nasce a leste e se põe a oeste, ou seja que o sol gira ao nosso
redor. Essa é uma ilusão produzida pelos nossos dos sentidos. Sentidos que
costumamos confiar quando dizemos “só vendo para crer”. A certeza sensível produzida pelos sentidos,
o que podemos dizer, ver, tocar, pensar conscientemente é onde se gera nossas
ilusões e as noções pré-científicas. Vemos
a aparência, o sol girar ao redor da Terra.
Outras
rupturas causadas por teorias foram as de Darwin ( o homem não é o centro da
biologia, apenas um elo) e Marx ( produto das suas relações sociais). Cada um
dos descentramento produz uma ferida narcísica na humanidade.
A psicanálise
provoca outro descentramento quando coloca o conceito de inconsciente no centro
da teoria sobre o psiquismo humano.
4. As Rupturas
da psicanálise
A psicanálise produz três rupturas:
1) Ruptura epistemológica. Na psicanálise a obra A
Interpretação dos Sonhos funda o
campo psicanalítico porque produz um objeto de conhecimento: o Inconsciente.
Até
1900 a consciência era o centro de todos os fenômenos psíquicos. As neuroses,
principalmente a histeria, eram confundidas com um capricho ou uma produção
orgânica que afetava não se sabia por que, os processos psíquicos. Nesse campo
científico Freud modificou a técnica a pedido de uma paciente, Emmy que pediu:
“por favor, deixe-me contar os sonhos.”
Essa
mudança de posição, onde o paciente relata e Freud escuta o discurso, leva-o a
descoberta do inconsciente e a escrever
a obra Interpretação dos Sonhos. Aqui podemos constatar a importância da
escrita na produção dessa nova ciência e a diferença de outros processos como
os mágicos, religiosos e os ideológicos.
A ruptura produzida ao tirara
consciência do centro do psiquismo faz com que o “Penso, logo existo” de Descartes (1596- 1650) torna-se “Penso onde
não sou”. O pensamento é inconsciente, um saber insabido pelo sujeito. Rompe
com a idéia de ciência do homem e produz o conceito de sujeito do inconsciente.
O
conceito de inconsciente costuma provocar resistências porque fere o Eu
narcisista, por afirmar que o principal do sujeito é desconhecido por ele
próprio e ainda mais que não tem sobre o mesmo nenhum controle dos seus efeitos
no seu psiquismo, na sua vida, suas relações, suas escolhas, etc...
2)
A segunda ruptura provocada pela psicanálise é no nível da filosofia das
ciências. Na época de Freud as ciências naturais pensavam que se conhecêssemos
todas as causas poderíamos determinar todos os efeitos. Era uma ciência de
causas. A psicanálise inversamente parte dos efeitos, os produtos finais do
trabalho inconsciente, ou seja, o sonho manifesto, o sonho contado pelo
sonhante, a fala. É uma questão
temporal, parte do presente para o passado. Para a psicanálise, o passado não
existe até que seja interpretado. O que fixa como material o passado são os
fatos presentes. O que digo da minha infância é a infância que eu tive. Isso
tem haver com o tempo do inconsciente, après
coup traduzido ao português como “Só
depois”.
A
psicanálise é uma ciência conjetural,
ou seja, parte dos efeitos e produz as causas, como nos mostra Freud nessa
citação:
“Temos que transformar o sonho manifesto no
sonho latente e indicar como, na psique do sonhador, esse último tornou-se
aquele. A primeira parte é uma tarefa prática, cabe à interpretação do sonho,
necessita de uma técnica; a segunda é teórica, deve
esclarecer o processo suposto do trabalho onírico e pode ser somente uma
teoria. As duas, tanto a técnica da interpretação dos sonhos como a teoria do
trabalho do sonho, têm de ser criadas."
3) A terceira ruptura revela a
importância da sexualidade na vida do sujeito. A partir da psicanálise já não
se pode negar a importância da vida sexual nos humanos, do desejo sexual
infantil reprimido. Entendendo por sexual algo muito interessante que é falar,
quer dizer sexual para a psicanálise é tudo aquilo que é tocado pela palavra.
A psicanálise é uma ciência
transformadora, ao descentrar o sujeito abre novas possibilidades. O primeiro
que teve que se transformar com a teoria psicanalítica foi Freud. Dizemos então
que ele não é o pai da psicanálise, mas sim o primeiro filho. Nas palavras de
Freud, em uma carta de 1923, diz:
“
Passei realmente grande parte da minha vida
trabalhando
na desconstrução de minhas
próprias
ilusões e nas das humanidade.”
Anelore Schuamnn
psicanalista
( A Psicanálise: Ruptura e abertura a
um novo pensamento científico
parte 3 - Seminário INICIAÇÃO À OBRA DE S. FREUD)
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