quinta-feira, 2 de maio de 2013

A ruptura das ciências




3. A ruptura das ciências:
Ruptura é produto efeito de um trabalho teórico. O mecanismo da produção da ciência gera um distanciamento da realidade, há uma ruptura com a realidade. Cada vez que for produzido um conceito, um símbolo, vai acontecer esse distanciamento da experiência sensível.
Exemplo de ruptura: onde o sol nasce e onde ele se põe? Uma experiência diária, milenar. Olho o sol, reconheço sua existência como um astro celeste, mas se desconheço seu movimento real confundo seu movimento aparente, que percebo com os meus sentidos, com o movimento real. Utilizando apenas a percepção produzo uma teoria com a ilusão dos meus sentidos e digo: o sol nasce a leste e se põe a oeste. Hoje podemos dizer que essa é uma noção imaginária, porque já temos a teoria copernicana. Teoria revolucionária que nos ensina que a percepção dos nossos sentidos, o mais evidente, é precisamente ilusório.
Copérnico, com sua produção teórica, produziu uma ruptura com as teorias anteriores descentrando a terra do centro do universo.
      Esse conhecimento científico já a tempo conquistado segue sendo cotidianamente negado. Mesmo que tenhamos estudado a teoria heliocêntrica podemos ser enganados pela nossos sentidos e continuar afirmando que o sol nasce a leste e se põe a oeste, ou seja que o sol gira ao nosso redor. Essa é uma ilusão produzida pelos nossos dos sentidos. Sentidos que costumamos confiar quando dizemos “só vendo para crer”.  A certeza sensível produzida pelos sentidos, o que podemos dizer, ver, tocar, pensar conscientemente é onde se gera nossas ilusões e as noções pré-científicas.  Vemos a aparência, o sol girar ao redor da Terra.
Outras rupturas causadas por teorias foram as de Darwin ( o homem não é o centro da biologia, apenas um elo) e Marx ( produto das suas relações sociais). Cada um dos descentramento produz uma ferida narcísica na humanidade.
A psicanálise provoca outro descentramento quando coloca o conceito de inconsciente no centro da teoria sobre o psiquismo humano.

4. As Rupturas da psicanálise

A psicanálise produz três rupturas:
1) Ruptura  epistemológica. Na psicanálise a obra A Interpretação dos Sonhos funda o campo psicanalítico porque produz um objeto de conhecimento: o Inconsciente.
Até 1900 a consciência era o centro de todos os fenômenos psíquicos. As neuroses, principalmente a histeria, eram confundidas com um capricho ou uma produção orgânica que afetava não se sabia por que, os processos psíquicos. Nesse campo científico Freud modificou a técnica a pedido de uma paciente, Emmy que pediu: “por favor, deixe-me contar os sonhos.”
Essa mudança de posição, onde o paciente relata e Freud escuta o discurso, leva-o a descoberta do inconsciente  e a escrever a obra Interpretação dos Sonhos.  Aqui podemos constatar a importância da escrita na produção dessa nova ciência e a diferença de outros processos como os mágicos, religiosos e os ideológicos.
        A ruptura produzida ao tirara consciência do centro do psiquismo faz com que o “Penso, logo existo” de Descartes (1596- 1650) torna-se “Penso onde não sou”. O pensamento é inconsciente, um saber insabido pelo sujeito. Rompe com a idéia de ciência do homem e produz o conceito de sujeito do inconsciente.

O conceito de inconsciente costuma provocar resistências porque fere o Eu narcisista, por afirmar que o principal do sujeito é desconhecido por ele próprio e ainda mais que não tem sobre o mesmo nenhum controle dos seus efeitos no seu psiquismo, na sua vida, suas relações, suas escolhas, etc... 

        2) A segunda ruptura provocada pela psicanálise é no nível da filosofia das ciências. Na época de Freud as ciências naturais pensavam que se conhecêssemos todas as causas poderíamos determinar todos os efeitos. Era uma ciência de causas. A psicanálise inversamente parte dos efeitos, os produtos finais do trabalho inconsciente, ou seja, o sonho manifesto, o sonho contado pelo sonhante, a fala.  É uma questão temporal, parte do presente para o passado. Para a psicanálise, o passado não existe até que seja interpretado. O que fixa como material o passado são os fatos presentes. O que digo da minha infância é a infância que eu tive. Isso tem haver com o tempo do inconsciente, après coup traduzido ao português como “Só depois”.
   A psicanálise é uma ciência conjetural, ou seja, parte dos efeitos e produz as causas, como nos mostra Freud nessa citação:
“Temos que transformar o sonho manifesto no sonho latente e indicar como, na psique do sonhador, esse último tornou-se aquele. A primeira parte é uma tarefa prática, cabe à interpretação do sonho, necessita de uma técnica; a segunda é teórica, deve esclarecer o processo suposto do trabalho onírico e pode ser somente uma teoria. As duas, tanto a técnica da interpretação dos sonhos como a teoria do trabalho do sonho, têm de ser criadas."

         3) A terceira ruptura revela a importância da sexualidade na vida do sujeito. A partir da psicanálise já não se pode negar a importância da vida sexual nos humanos, do desejo sexual infantil reprimido. Entendendo por sexual algo muito interessante que é falar, quer dizer sexual para a psicanálise é tudo aquilo que é tocado pela palavra.
      A psicanálise é uma ciência transformadora, ao descentrar o sujeito abre novas possibilidades. O primeiro que teve que se transformar com a teoria psicanalítica foi Freud. Dizemos então que ele não é o pai da psicanálise, mas sim o primeiro filho. Nas palavras de Freud, em uma carta de 1923, diz:
“ Passei realmente grande parte da minha vida
trabalhando na desconstrução de minhas
próprias ilusões e nas das humanidade.”


Anelore Schuamnn
psicanalista
( A Psicanálise: Ruptura e abertura a um novo pensamento científico
parte 3 -  Seminário INICIAÇÃO À OBRA DE S. FREUD)

Nenhum comentário:

Postar um comentário