segunda-feira, 29 de abril de 2013

A hipnose e a invenção da psicanálise (Parte 2)



Outro acontecimento importante que marcou Freud foi o relato da experiência de um médico também de Viena, o Dr. Josef Breuer,  conceituado médico de família, amigo de Freud, com o qual mantinha frequentes conversas sobre assuntos científicos.
Freud se interessou muito pelo relato que Dr. Breuer fez a respeito de um tratamento que realizou em 1881-82 com hipnose. A paciente era uma mulher altamente dotada que sofria de grave histeria. Essa paciente, a qual Breuer chamou de Ana O., apresentava paralisia com contraturas, inibições graves e estados de confusão mental. Esses sintomas tiveram melhoras quando ele colocou a paciente em hipnose profunda e a fez contar o que lhe oprimia o espírito. Hipnotizada ela recordava e fazia conexões dos sintomas com as vivências fortemente emocionais quando cuidou de seu pai doente. Os sintomas haviam surgido quando fortes impulsos foram reprimidos. Por exemplo: A paciente contou a Breuer que, quando escutou uma música na casa vizinha e teve vontade de ir dançar, repreendeu-se de ter tido esse pensamento estando seu amado pai  muito doente. Assim, no lugar da ação omitida, ir dançar, apareceu uma tosse persistente.
O procedimento terapêutico que Breuer utilizava para tratá-la consistia em induzir a enferma, sob hipnose, a recordar os traumas esquecidos e a reagir a eles com intensas exteriorizações do afeto. Esse procedimento foi chamado de catarse. O objetivo terapêutico era fazer com que o montante de afeto empregado na manutenção do sintoma tomasse as vias normais, onde podia chegar à descarga sem causar sintomas.
O interesse de Freud pelo caso fez com que o mesmo fosse relatado em seus detalhes por Breuer e depois escrito no livro que produziram em conjunto em:  Estudos sobre a histeria. Esse livro, publicado em 1895, relata atendimentos clínicos e de como o sintoma dos pacientes se originaram do represamento de um afeto, energia psíquica que é transformada num sintoma de conversão. O sintoma histérico surge quando o afeto de um processo psíquico bastante investido afetivamente é reprimido e se converte em inervações somáticas (conversão).
Portanto, as pacientes não mentiam, nem fingiam como muitos pensavam, padeciam de uma enfermidade psíquica. Freud referindo-se ao caso de Ana O. escreveu:

“Pela primeira vez, um enigmático caso de histeria foi penetrado e suas manifestações patológicas revelaram-se dotadas de sentido.” 
Os tratamentos clinicos que Freud começa a realizar com essas pacientes eram tratamentos muito diferente do tratamento médico até então. Não usava o olho clinico, nem um conhecimento cientifico previamente construído. Ele próprio se sente surpreso com o rumo que foi tomando o trabalho que estava desenvolvendo. Inicia a discussão do caso Elisabeth Von R , nesse mesmo livro,  dizendo:
“Eu nem sempre fui um psicoterapeuta. Na verdade, fui preparado assim como outros neuropatologistas para empregar diagnósticos locais e eletroprognósticos. Portanto, causa-me ainda estranheza verificar que os relatos de casos que escrevo possam ser lidos como novelas e que, como se poderia dizer, careçam de cunho científico. Tenho de consolar-me com a reflexão de que é a natureza do assunto que é evidentemente responsável por isso, e não qualquer preferência minha. Diagnóstico local e as reações elétricas não levam a nada no estudo da histeria, enquanto uma exposição pormenorizada dos processos psíquicos, tal como estamos habituados a encontrar nas obras de escritores e poetas, me permite chegar, com o emprego de algumas fórmulas psicológicas, a alguma compreensão sobre o curso dessa doença.”
Localização e prognóstico fazem parte da ciência médica. Na escritura do livro A Interpretação dos Sonhos Freud construiu o conceito de um novo objeto de conhecimento: o Inconsciente. É em função das características desse objeto que as ciências humanas não são adequadas para fazer avançar os estudos das questões relacionadas ao psiquismo humano.
Para que a descoberta do inconsciente não fosse associada apenas às pessoas enfermas, Freud escreveu a obra A Interpretação dos Sonhos,
Sonhar, sonhamos todos,
os sujeitos ditos “normais” e os doentes.

A psicanálise é uma ciência conjectural, progride por interpretação. Après Coup, só depois saberemos. Freud não tinha hipóteses fixas prévias, tinha perguntas, se deixou levar pelo próprio estudo e foi surpreendido pelas descobertas. Diferente das ciências positivistas que têm uma hipótese que será comprovada ou refutada, Freud estava aberto às novidades do descobrimento.

Escutou também o que os cientistas da época falavam sem saber, um conhecimento que estava circulando, do qual se faziam comentários jocosos,  chistes, um saber inconsciente, mas que até então ninguém tinha levado a sério numa pesquisa rigorosa e sem preconceito.

Esses registros e estudos clínicos mostram a importância da escrita,  para o estudo teórico e prático da psicanálise. A psicanálise é uma nova escritura sobre a história relatada pelo paciente. O relato produzido no divã é o mais próximo da escrita. Escrita de uma nova história e produção de outra vida, dirá Lacan.

Também podemos pensar que não é uma mera coincidência que a  descoberta do inconsciente tenha sido realizada por um grande leitor dos clássicos e de poesia. Freud recebeu o Prêmio Goethe de Literatura pelo conjunto de sua obra. Um autor contemporâneo de Freud disse que ele era “Um científico num corpo de poeta.”


Anelore Schuamnn
psicanalista
(A Psicanálise: Ruptura e abertura a um novo pensamento científico
parte 2 -  Seminário INICIAÇÃO À OBRA DE S. FREUD)

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