A
psicanálise não atende às causas, mas sim: do que faz causa em après coup. O que poderia não ter
ocorrido, mas ocorreu... estas contingências fazem causa!
Podemos pensar nas
ciências conjecturais, que através dos efeitos vamos deduzir, construir algo
lá. Quero dizer: partimos dos efeitos para algo compreender do que foi isso que
produziu tais efeitos. (Diferente da ciência positivista que tem uma hipótese.)
Partindo desta expressão: isso que produziu tal efeito... chegamos ao conceito
de trabalho. O termo ruptura – e o termo temporalidade do Inconsciente é uma
ruptura quanto ao tempo que havia anteriormente – (exportado do materialismo
histórico) é efeito produto de um trabalho.
Quer dizer que este
tempo “après coup” (futuro anterior,
ou “só depois”) foi produzido por
Freud com um trabalho sobre o discurso de suas/seus pacientes e sobre sua
intervenção. Pudemos, a partir de então, romper como o tempo cronológico e
supor que todos nós –sujeitos psíquicos – vivemos submetidos a outro tempo (que
nos é desconhecido mas que nos sobredetermina). Um tempo com outras leis, mas
que possui sua lógica.
Como
no sonho manifesto, ou sonho contado, a partir daí se fará uma construção de o
que é que esteve lá produzindo este relato do sonho, por dedução, por um
trabalho em transferência, na associação livre, o psicanalista interpretará
algo que além de falar deste sonho latente, constrói algo que não estava
antes... pois só temos os efeitos, mas isso é tema para as próximas aula sobre
o texto, a obra A Interpretação dos
Sonhos.
Voltando ao que Lacan
escreve na Posição do Inconsciente: O
nachträglich ou o après coup (ou o só
depois) afirma que Freud nos diz que segundo o qual o trauma se implica no
sintoma, mostra uma estrutura temporal de ordem mais elevada.
E retoma o tema sobre a causa, dizendo que ela perpetua a razão
que subordina o sujeito ao efeito do significante.
É somente como instância
do inconsciente, do inconsciente freudiano, que se apreende a causa no nível do
qual um Hume tenciona desalojá-la, e que é justamente aquele em que ela ganha
consistência: a retroação do significante em usa eficácia, que é absolutamente
necessário distinguir da causa final.
Ao tomar a teoria do
valor, que como escrevemos na primeira parte deste texto, também causou uma
ruptura, assim como a psicanálise. O tempo que o materialismo histórico maneja
pode nos auxiliar também a compreender a temporalidade do inconsciente, o après coup. Agora vejamos: Este tempo
impõem a palavra recorrência, o que quer dizer que – diria Marx -, na
sociedade feudal, eu não poderia saber que ia vir a sociedade burguesa. Mas
posso, desde a sociedade burguesa, ler na sociedade feudal aquelas causas que
produziram a sociedade burguesa. Na sociedade burguesa atual, não posso saber o
que vai ocorrer depois, mas, posso, depois de passado, encontrar desde aí,
nesta pré-história, os modos em que se produziu essa nova situação.
O inconsciente é, entre
eles (sujeito e Outro), seu corte em ato.
Freud, no desespero em
demonstrar que o tempo do Inconsciente era diferente do tempo da consciência,
chega a dizer que no Inconsciente não há tempo. E com isso nos diz que o tempo
do relógio não serve para medir o tempo dos processos inconscientes.
Freud escreve numa carta a Fliess de 25 de
maio de 1897:
“Há bons motivos para
suspeitar que o despertar do material reprimido não se dá por acaso, senão se
ajusta a determinadas leis evolutivas. E também de que a repressão avança do
material recente para trás,
retroativamente e aqui então podemos utilizar a expressão après coup e que afeta primeiro os
últimos acontecimentos”.
Partindo daí, seguindo
este caminho, dizemos que o Inconsciente se forma de maneira descontínua. O
tempo para nossa subjetividade como humanos não é como o tempo cronológico que
transcorre sempre igual. Assim a temporalidade do inconsciente além de
discorrer ao contrário do tempo cotidiano que transcorre do passado para o
futuro, a temporalidade do inconsciente transcorre do futuro para o presente e
o que inclusive chamamos de passado, mas que está para o sujeito presente, e
pode inclusive ser transformado. Além disso, a temporalidade do inconsciente é
descontínua, como vimos aquilo que desperta o material reprimido pode ser algo
que se passa na viva do sujeito no tempo cronológico talvez algumas décadas
depois desta marca inconsciente.
Assim podemos pensar que
estas marcas são potencializadas conforme algo atual se articule com esta marca
reprimida. O que associo como Lacan fala das marcas no inconsciente, as
inscrições mnêmicas (como chama Freud),
que são como marcas de gazelas sobre uma pedra. O que podemos lembrar faz parte
do sub-consciente; enquanto que as marcas mnêmicas inconscientes são as que
fazem mover o motor da estrutura do sujeito. Mas como disse Freud nesta frase
que citamos da carta a Fliess, não é por acaso, mas guarda uma relação com o
desejo...
O que se modifica com a
interpretação psicanalítica não é o passado em si, os acontecimentos que
passaram, pois isso está perdido, mas nossa apropriação disso que pensamos ter
vivido.
Lúcia Bins Ely
abril de 2013