sexta-feira, 21 de junho de 2013

A Temporalidade do Inconsciente: O Après Coup (Parte 2)


A psicanálise não atende às causas, mas sim: do que faz causa em après coup. O que poderia não ter ocorrido, mas ocorreu... estas contingências fazem causa!

                        Podemos pensar nas ciências conjecturais, que através dos efeitos vamos deduzir, construir algo lá. Quero dizer: partimos dos efeitos para algo compreender do que foi isso que produziu tais efeitos. (Diferente da ciência positivista que tem uma hipótese.) Partindo desta expressão: isso que produziu tal efeito... chegamos ao conceito de trabalho. O termo ruptura – e o termo temporalidade do Inconsciente é uma ruptura quanto ao tempo que havia anteriormente – (exportado do materialismo histórico) é efeito produto de um trabalho.
                        Quer dizer que este tempo “après coup” (futuro anterior, ou “só depois”) foi produzido por Freud com um trabalho sobre o discurso de suas/seus pacientes e sobre sua intervenção. Pudemos, a partir de então, romper como o tempo cronológico e supor que todos nós –sujeitos psíquicos – vivemos submetidos a outro tempo (que nos é desconhecido mas que nos sobredetermina). Um tempo com outras leis, mas que possui sua lógica.
                        Como no sonho manifesto, ou sonho contado, a partir daí se fará uma construção de o que é que esteve lá produzindo este relato do sonho, por dedução, por um trabalho em transferência, na associação livre, o psicanalista interpretará algo que além de falar deste sonho latente, constrói algo que não estava antes... pois só temos os efeitos, mas isso é tema para as próximas aula sobre o texto, a obra A Interpretação dos Sonhos.
                       
                        Voltando ao que Lacan escreve na Posição do Inconsciente: O nachträglich ou o après coup (ou o só depois) afirma que Freud nos diz que segundo o qual o trauma se implica no sintoma, mostra uma estrutura temporal de ordem mais elevada.
                        E retoma o tema sobre a causa, dizendo que ela perpetua a razão que subordina o sujeito ao efeito do significante.
                        É somente como instância do inconsciente, do inconsciente freudiano, que se apreende a causa no nível do qual um Hume tenciona desalojá-la, e que é justamente aquele em que ela ganha consistência: a retroação do significante em usa eficácia, que é absolutamente necessário distinguir da causa final.
                       
                        Ao tomar a teoria do valor, que como escrevemos na primeira parte deste texto, também causou uma ruptura, assim como a psicanálise. O tempo que o materialismo histórico maneja pode nos auxiliar também a compreender a temporalidade do inconsciente, o après coup. Agora vejamos: Este tempo impõem a palavra recorrência, o que quer dizer que – diria Marx -, na sociedade feudal, eu não poderia saber que ia vir a sociedade burguesa. Mas posso, desde a sociedade burguesa, ler na sociedade feudal aquelas causas que produziram a sociedade burguesa. Na sociedade burguesa atual, não posso saber o que vai ocorrer depois, mas, posso, depois de passado, encontrar desde aí, nesta pré-história, os modos em que se produziu essa nova situação.
                       
                        O inconsciente é, entre eles (sujeito e Outro), seu corte em ato.

                        Freud, no desespero em demonstrar que o tempo do Inconsciente era diferente do tempo da consciência, chega a dizer que no Inconsciente não há tempo. E com isso nos diz que o tempo do relógio não serve para medir o tempo dos processos inconscientes.
                       
                         Freud escreve numa carta a Fliess de 25 de maio de 1897:
                        “Há bons motivos para suspeitar que o despertar do material reprimido não se dá por acaso, senão se ajusta a determinadas leis evolutivas. E também de que a repressão avança do material recente para trás,  retroativamente e aqui então podemos utilizar a expressão après coup e que afeta primeiro os últimos acontecimentos”.

                        Partindo daí, seguindo este caminho, dizemos que o Inconsciente se forma de maneira descontínua. O tempo para nossa subjetividade como humanos não é como o tempo cronológico que transcorre sempre igual. Assim a temporalidade do inconsciente além de discorrer ao contrário do tempo cotidiano que transcorre do passado para o futuro, a temporalidade do inconsciente transcorre do futuro para o presente e o que inclusive chamamos de passado, mas que está para o sujeito presente, e pode inclusive ser transformado. Além disso, a temporalidade do inconsciente é descontínua, como vimos aquilo que desperta o material reprimido pode ser algo que se passa na viva do sujeito no tempo cronológico talvez algumas décadas depois desta marca inconsciente.

                        Assim podemos pensar que estas marcas são potencializadas conforme algo atual se articule com esta marca reprimida. O que associo como Lacan fala das marcas no inconsciente, as inscrições mnêmicas (como chama  Freud), que são como marcas de gazelas sobre uma pedra. O que podemos lembrar faz parte do sub-consciente; enquanto que as marcas mnêmicas inconscientes são as que fazem mover o motor da estrutura do sujeito. Mas como disse Freud nesta frase que citamos da carta a Fliess, não é por acaso, mas guarda uma relação com o desejo...
                       
                        O que se modifica com a interpretação psicanalítica não é o passado em si, os acontecimentos que passaram, pois isso está perdido, mas nossa apropriação disso que pensamos ter vivido.

                                         

Lúcia Bins Ely

abril de 2013