segunda-feira, 23 de setembro de 2013
segunda-feira, 1 de julho de 2013
sexta-feira, 21 de junho de 2013
A Temporalidade do Inconsciente: O Après Coup (Parte 2)
A
psicanálise não atende às causas, mas sim: do que faz causa em après coup. O que poderia não ter
ocorrido, mas ocorreu... estas contingências fazem causa!
Podemos pensar nas
ciências conjecturais, que através dos efeitos vamos deduzir, construir algo
lá. Quero dizer: partimos dos efeitos para algo compreender do que foi isso que
produziu tais efeitos. (Diferente da ciência positivista que tem uma hipótese.)
Partindo desta expressão: isso que produziu tal efeito... chegamos ao conceito
de trabalho. O termo ruptura – e o termo temporalidade do Inconsciente é uma
ruptura quanto ao tempo que havia anteriormente – (exportado do materialismo
histórico) é efeito produto de um trabalho.
Quer dizer que este
tempo “après coup” (futuro anterior,
ou “só depois”) foi produzido por
Freud com um trabalho sobre o discurso de suas/seus pacientes e sobre sua
intervenção. Pudemos, a partir de então, romper como o tempo cronológico e
supor que todos nós –sujeitos psíquicos – vivemos submetidos a outro tempo (que
nos é desconhecido mas que nos sobredetermina). Um tempo com outras leis, mas
que possui sua lógica.
Como
no sonho manifesto, ou sonho contado, a partir daí se fará uma construção de o
que é que esteve lá produzindo este relato do sonho, por dedução, por um
trabalho em transferência, na associação livre, o psicanalista interpretará
algo que além de falar deste sonho latente, constrói algo que não estava
antes... pois só temos os efeitos, mas isso é tema para as próximas aula sobre
o texto, a obra A Interpretação dos
Sonhos.
Voltando ao que Lacan
escreve na Posição do Inconsciente: O
nachträglich ou o après coup (ou o só
depois) afirma que Freud nos diz que segundo o qual o trauma se implica no
sintoma, mostra uma estrutura temporal de ordem mais elevada.
E retoma o tema sobre a causa, dizendo que ela perpetua a razão
que subordina o sujeito ao efeito do significante.
É somente como instância
do inconsciente, do inconsciente freudiano, que se apreende a causa no nível do
qual um Hume tenciona desalojá-la, e que é justamente aquele em que ela ganha
consistência: a retroação do significante em usa eficácia, que é absolutamente
necessário distinguir da causa final.
Ao tomar a teoria do
valor, que como escrevemos na primeira parte deste texto, também causou uma
ruptura, assim como a psicanálise. O tempo que o materialismo histórico maneja
pode nos auxiliar também a compreender a temporalidade do inconsciente, o après coup. Agora vejamos: Este tempo
impõem a palavra recorrência, o que quer dizer que – diria Marx -, na
sociedade feudal, eu não poderia saber que ia vir a sociedade burguesa. Mas
posso, desde a sociedade burguesa, ler na sociedade feudal aquelas causas que
produziram a sociedade burguesa. Na sociedade burguesa atual, não posso saber o
que vai ocorrer depois, mas, posso, depois de passado, encontrar desde aí,
nesta pré-história, os modos em que se produziu essa nova situação.
O inconsciente é, entre
eles (sujeito e Outro), seu corte em ato.
Freud, no desespero em
demonstrar que o tempo do Inconsciente era diferente do tempo da consciência,
chega a dizer que no Inconsciente não há tempo. E com isso nos diz que o tempo
do relógio não serve para medir o tempo dos processos inconscientes.
Freud escreve numa carta a Fliess de 25 de
maio de 1897:
“Há bons motivos para
suspeitar que o despertar do material reprimido não se dá por acaso, senão se
ajusta a determinadas leis evolutivas. E também de que a repressão avança do
material recente para trás,
retroativamente e aqui então podemos utilizar a expressão après coup e que afeta primeiro os
últimos acontecimentos”.
Partindo daí, seguindo
este caminho, dizemos que o Inconsciente se forma de maneira descontínua. O
tempo para nossa subjetividade como humanos não é como o tempo cronológico que
transcorre sempre igual. Assim a temporalidade do inconsciente além de
discorrer ao contrário do tempo cotidiano que transcorre do passado para o
futuro, a temporalidade do inconsciente transcorre do futuro para o presente e
o que inclusive chamamos de passado, mas que está para o sujeito presente, e
pode inclusive ser transformado. Além disso, a temporalidade do inconsciente é
descontínua, como vimos aquilo que desperta o material reprimido pode ser algo
que se passa na viva do sujeito no tempo cronológico talvez algumas décadas
depois desta marca inconsciente.
Assim podemos pensar que
estas marcas são potencializadas conforme algo atual se articule com esta marca
reprimida. O que associo como Lacan fala das marcas no inconsciente, as
inscrições mnêmicas (como chama Freud),
que são como marcas de gazelas sobre uma pedra. O que podemos lembrar faz parte
do sub-consciente; enquanto que as marcas mnêmicas inconscientes são as que
fazem mover o motor da estrutura do sujeito. Mas como disse Freud nesta frase
que citamos da carta a Fliess, não é por acaso, mas guarda uma relação com o
desejo...
O que se modifica com a
interpretação psicanalítica não é o passado em si, os acontecimentos que
passaram, pois isso está perdido, mas nossa apropriação disso que pensamos ter
vivido.
Lúcia Bins Ely
abril de 2013
quinta-feira, 23 de maio de 2013
A Temporalidade do Inconsciente: O Après Coup (Parte 1)
Jacques Lacan, foi um
psicanalista francês que fez um insistente trabalho de releitura de Freud e de transmissão da psicanálise na segunda metade do século XX.
Ele, Lacan, em seu texto
Posição do Inconsciente no Congresso de Bonneval (1960, e retomado
em 1964) esclarece e recorda, num parêntese, sobre o termo nachträglich escreve “que fomos o
primeiro a extraí-lo do texto de Freud”.
O
Nachträglich de Freud foi traduzido
(pois criticou, achou muito primária a tradução que havia deste termo ao
francês) por Lacan com o termo Après coup
e, só depois foi a sugestão de
MDMagno para a tradução ao português no Seminário I de Lacan.
Quando dizemos uma
frase: por exemplo, “Seu pai...” e a interrompemos, não se sabe o que ela quer
dizer. É só quando eu pronunciar a última palavra, é só no ponto final da
frase, que o sentido vai ser possível, por retroação: “Seu pai morreu.”
Assim também um livro,
só ao seu término construímos inúmeras compreensões sobre ele. E, a morte de
uma pessoa é que vai também fechar as significações da vida dela. Essa maneira
de conhecermos algo só depois de algo mais acontecer, é o que chamamos o tempo
do inconsciente, o só depois, o après coup. Enquanto estamos vivendo algo, não podemos
ter ideia do que constitui, de compreender este ato. Um ato só é compreendido,
e especialmente, em psicanálise, um ato, ou um fato, só é convertido em fato
psíquico em uma segunda vez, que a constitui, como ato, ou fato psíquico.
Ora vejamos o exemplo
que o próprio Freud traz ao falar de Joãozinho, Juanito, ou pequeno Hanz, um
dos seis grandes casos clínicos que trabalha em sua obra.
Neste caso, Freud
emprega o termo Nachträglichkeit que
é um neologismo dele (no caso substantivou o termo Nachträglich, que é um adjetivo).
Neste caso do Joãozinho,
vemos que é “só depois” que Joãozinho pode se dar conta que...
Foi só num momento posterior
à castração em si que Joãozinho se deu conta “das ordens e ameaças feitas na
infância”. E Freud afirma que há casos de pacientes nos quais o intervalo entre
o primeiro fato e esta contribuição, que como que constrói significação ao fato
primeiro, pode chegar a muitas décadas.
Transcrevo aqui Freud
textualmente para podermos tomar como ponto de partida deste tema.
“Constituiria um dos
processos mais típicos se a ameaça de castração produzisse um efeito adiado (nachträglich), e se agora, um ano e três
meses depois, ele fosse oprimido pelo medo de ter de perder essa preciosa parte
do seu eu. Em outros casos de doença podemos observar uma semelhante operação
adiada (ou um semelhante efeito retardado
ou ainda “retroativa”) (nachträgliche
Wirkungen) de ordens e ameaças feitas na infância, casos nos quais o
intervalo chega a cobrir várias décadas, ou até mais. Conheço até casos nos
quais uma ‘obediência adiada’ (o sentido é de obediência a
posteriori , como se a obediência viesse a cumprir posteriormente uma ordem
antiga) (“nachträcliche Gehorsam”) sob
influência da repressão desempenhou um papel preponderante na determinação dos
sintomas da enfermidade.
“A parcela de
esclarecimento dado a Joãozinho, pouco tempo antes, quanto ao fato de que as
mulheres não possuem ‘fazedor de pipi’ (como ele chamava) estava fadada a ter
apenas um efeito destruidor sobre sua autoconfiança e a ter originado seu
complexo de castração. Por essa razão é que ele ofereceu resistência
à informação, e pela mesma razão ela não produziu efeitos terapêuticos. Seria
possível que houvesse seres vivos que não tivessem ‘fazedor de pipi’? Se assim
fosse, não mais se poderia duvidar de que eles pudessem fazer desaparecer seu
próprio pipi e, se assim fosse, transformá-lo em mulher!”
(Análise de uma Fobia em um Menino de Cinco Anos -1909). (Os
esclarecimentos dos termos em alemão estão no Dicionário Comentado do Alemão de Freud de Luiz Hanns – 1996).
quinta-feira, 2 de maio de 2013
A ruptura das ciências
3. A ruptura
das ciências:
Ruptura
é produto efeito de um trabalho teórico. O mecanismo da produção da ciência
gera um distanciamento da realidade, há uma ruptura com a realidade. Cada vez
que for produzido um conceito, um símbolo, vai acontecer esse distanciamento da
experiência sensível.
Exemplo
de ruptura: onde o sol nasce e onde ele se põe? Uma experiência diária,
milenar. Olho o sol, reconheço sua existência como um astro celeste, mas se
desconheço seu movimento real confundo seu movimento aparente, que percebo com
os meus sentidos, com o movimento real. Utilizando apenas a percepção produzo
uma teoria com a ilusão dos meus sentidos e digo: o sol nasce a leste e se põe
a oeste. Hoje podemos dizer que essa é uma noção imaginária, porque já temos a
teoria copernicana. Teoria revolucionária que nos ensina que a percepção dos
nossos sentidos, o mais evidente, é precisamente ilusório.
Copérnico,
com sua produção teórica, produziu uma ruptura com as teorias anteriores
descentrando a terra do centro do universo.
Esse conhecimento científico já a tempo
conquistado segue sendo cotidianamente negado. Mesmo que tenhamos estudado a teoria
heliocêntrica podemos ser enganados pela nossos sentidos e continuar afirmando
que o sol nasce a leste e se põe a oeste, ou seja que o sol gira ao nosso
redor. Essa é uma ilusão produzida pelos nossos dos sentidos. Sentidos que
costumamos confiar quando dizemos “só vendo para crer”. A certeza sensível produzida pelos sentidos,
o que podemos dizer, ver, tocar, pensar conscientemente é onde se gera nossas
ilusões e as noções pré-científicas. Vemos
a aparência, o sol girar ao redor da Terra.
Outras
rupturas causadas por teorias foram as de Darwin ( o homem não é o centro da
biologia, apenas um elo) e Marx ( produto das suas relações sociais). Cada um
dos descentramento produz uma ferida narcísica na humanidade.
A psicanálise
provoca outro descentramento quando coloca o conceito de inconsciente no centro
da teoria sobre o psiquismo humano.
4. As Rupturas
da psicanálise
A psicanálise produz três rupturas:
1) Ruptura epistemológica. Na psicanálise a obra A
Interpretação dos Sonhos funda o
campo psicanalítico porque produz um objeto de conhecimento: o Inconsciente.
Até
1900 a consciência era o centro de todos os fenômenos psíquicos. As neuroses,
principalmente a histeria, eram confundidas com um capricho ou uma produção
orgânica que afetava não se sabia por que, os processos psíquicos. Nesse campo
científico Freud modificou a técnica a pedido de uma paciente, Emmy que pediu:
“por favor, deixe-me contar os sonhos.”
Essa
mudança de posição, onde o paciente relata e Freud escuta o discurso, leva-o a
descoberta do inconsciente e a escrever
a obra Interpretação dos Sonhos. Aqui podemos constatar a importância da
escrita na produção dessa nova ciência e a diferença de outros processos como
os mágicos, religiosos e os ideológicos.
A ruptura produzida ao tirara
consciência do centro do psiquismo faz com que o “Penso, logo existo” de Descartes (1596- 1650) torna-se “Penso onde
não sou”. O pensamento é inconsciente, um saber insabido pelo sujeito. Rompe
com a idéia de ciência do homem e produz o conceito de sujeito do inconsciente.
O
conceito de inconsciente costuma provocar resistências porque fere o Eu
narcisista, por afirmar que o principal do sujeito é desconhecido por ele
próprio e ainda mais que não tem sobre o mesmo nenhum controle dos seus efeitos
no seu psiquismo, na sua vida, suas relações, suas escolhas, etc...
2)
A segunda ruptura provocada pela psicanálise é no nível da filosofia das
ciências. Na época de Freud as ciências naturais pensavam que se conhecêssemos
todas as causas poderíamos determinar todos os efeitos. Era uma ciência de
causas. A psicanálise inversamente parte dos efeitos, os produtos finais do
trabalho inconsciente, ou seja, o sonho manifesto, o sonho contado pelo
sonhante, a fala. É uma questão
temporal, parte do presente para o passado. Para a psicanálise, o passado não
existe até que seja interpretado. O que fixa como material o passado são os
fatos presentes. O que digo da minha infância é a infância que eu tive. Isso
tem haver com o tempo do inconsciente, après
coup traduzido ao português como “Só
depois”.
A
psicanálise é uma ciência conjetural,
ou seja, parte dos efeitos e produz as causas, como nos mostra Freud nessa
citação:
“Temos que transformar o sonho manifesto no
sonho latente e indicar como, na psique do sonhador, esse último tornou-se
aquele. A primeira parte é uma tarefa prática, cabe à interpretação do sonho,
necessita de uma técnica; a segunda é teórica, deve
esclarecer o processo suposto do trabalho onírico e pode ser somente uma
teoria. As duas, tanto a técnica da interpretação dos sonhos como a teoria do
trabalho do sonho, têm de ser criadas."
3) A terceira ruptura revela a
importância da sexualidade na vida do sujeito. A partir da psicanálise já não
se pode negar a importância da vida sexual nos humanos, do desejo sexual
infantil reprimido. Entendendo por sexual algo muito interessante que é falar,
quer dizer sexual para a psicanálise é tudo aquilo que é tocado pela palavra.
A psicanálise é uma ciência
transformadora, ao descentrar o sujeito abre novas possibilidades. O primeiro
que teve que se transformar com a teoria psicanalítica foi Freud. Dizemos então
que ele não é o pai da psicanálise, mas sim o primeiro filho. Nas palavras de
Freud, em uma carta de 1923, diz:
“
Passei realmente grande parte da minha vida
trabalhando
na desconstrução de minhas
próprias
ilusões e nas das humanidade.”
Anelore Schuamnn
psicanalista
( A Psicanálise: Ruptura e abertura a
um novo pensamento científico
parte 3 - Seminário INICIAÇÃO À OBRA DE S. FREUD)
segunda-feira, 29 de abril de 2013
A hipnose e a invenção da psicanálise (Parte 2)
Outro acontecimento importante que marcou Freud foi
o relato da experiência de um médico também de Viena, o Dr. Josef Breuer, conceituado médico de família, amigo de
Freud, com o qual mantinha frequentes conversas sobre assuntos científicos.
Freud se interessou muito pelo relato que Dr.
Breuer fez a respeito de um tratamento que realizou em 1881-82 com hipnose. A
paciente era uma mulher altamente dotada que sofria de grave histeria. Essa
paciente, a qual Breuer chamou de Ana O., apresentava paralisia com contraturas,
inibições graves e estados de confusão mental. Esses sintomas tiveram melhoras
quando ele colocou a paciente em hipnose profunda e a fez contar o que lhe
oprimia o espírito. Hipnotizada ela recordava e fazia conexões dos sintomas com
as vivências fortemente emocionais quando cuidou de seu pai doente. Os sintomas
haviam surgido quando fortes impulsos foram reprimidos. Por exemplo: A paciente
contou a Breuer que, quando escutou uma música na casa vizinha e teve vontade
de ir dançar, repreendeu-se de ter tido esse pensamento estando seu amado
pai muito doente. Assim, no lugar da
ação omitida, ir dançar, apareceu uma tosse persistente.
O procedimento terapêutico que Breuer utilizava
para tratá-la consistia em induzir a enferma, sob hipnose, a recordar os
traumas esquecidos e a reagir a eles com intensas exteriorizações do afeto.
Esse procedimento foi chamado de catarse. O objetivo terapêutico era fazer com
que o montante de afeto empregado na manutenção do sintoma tomasse as vias
normais, onde podia chegar à descarga sem causar sintomas.
O interesse de Freud pelo caso fez com que o mesmo
fosse relatado em seus detalhes por Breuer e depois escrito no livro que
produziram em conjunto em: Estudos
sobre a histeria.
Esse livro, publicado em 1895, relata atendimentos clínicos e de como o sintoma
dos pacientes se originaram do represamento de um afeto, energia psíquica que é
transformada num sintoma de conversão. O sintoma histérico surge quando o afeto
de um processo psíquico bastante investido afetivamente é reprimido e se
converte em inervações somáticas (conversão).
Portanto, as pacientes não mentiam, nem fingiam
como muitos pensavam, padeciam de uma enfermidade psíquica. Freud referindo-se
ao caso de Ana O. escreveu:
“Pela primeira vez, um enigmático caso
de histeria foi penetrado e suas manifestações patológicas revelaram-se dotadas
de sentido.”
Os tratamentos
clinicos que Freud começa a realizar com essas pacientes eram tratamentos muito
diferente do tratamento médico até então. Não usava o olho clinico, nem um
conhecimento cientifico previamente construído. Ele próprio se sente surpreso
com o rumo que foi tomando o trabalho que estava desenvolvendo. Inicia a
discussão do caso Elisabeth Von R , nesse mesmo livro, dizendo:
“Eu nem sempre fui um psicoterapeuta. Na verdade, fui
preparado assim como outros neuropatologistas para empregar diagnósticos locais
e eletroprognósticos. Portanto, causa-me ainda estranheza verificar que os
relatos de casos que escrevo possam ser lidos como novelas e que, como se
poderia dizer, careçam de cunho científico. Tenho de consolar-me com a reflexão
de que é a natureza do assunto que é evidentemente responsável por isso, e não
qualquer preferência minha. Diagnóstico local e as reações elétricas não levam
a nada no estudo da histeria, enquanto uma exposição pormenorizada dos
processos psíquicos, tal como estamos habituados a encontrar nas obras de
escritores e poetas, me permite chegar, com o emprego de algumas fórmulas
psicológicas, a alguma compreensão sobre o curso dessa doença.”
Localização e prognóstico fazem parte da
ciência médica. Na escritura do livro A
Interpretação dos Sonhos Freud construiu o conceito de um novo objeto de
conhecimento: o Inconsciente. É em função das características desse objeto que
as ciências humanas não são adequadas para fazer avançar os estudos das
questões relacionadas ao psiquismo humano.
Para que a descoberta do inconsciente não fosse
associada apenas às pessoas enfermas, Freud escreveu a obra A Interpretação dos Sonhos,
Sonhar, sonhamos todos,
os sujeitos ditos “normais” e os doentes.
A psicanálise é uma ciência conjectural, progride por interpretação.
Après Coup, só depois saberemos. Freud não tinha hipóteses fixas prévias, tinha
perguntas, se deixou levar pelo próprio estudo e foi surpreendido pelas
descobertas. Diferente das ciências positivistas que têm uma hipótese que será
comprovada ou refutada, Freud estava aberto às novidades do descobrimento.
Escutou também o que os cientistas da época falavam sem saber, um
conhecimento que estava circulando, do qual se faziam comentários jocosos, chistes, um saber inconsciente, mas que até
então ninguém tinha levado a sério numa pesquisa rigorosa e sem preconceito.
Esses registros e estudos clínicos mostram a importância da
escrita, para o estudo teórico e prático
da psicanálise. A psicanálise é uma nova escritura sobre a história relatada
pelo paciente. O relato produzido no divã é o mais próximo da escrita. Escrita
de uma nova história e produção de outra vida, dirá Lacan.
Também podemos pensar que não é uma mera
coincidência que a descoberta do
inconsciente tenha sido realizada por um grande leitor dos clássicos e de
poesia. Freud recebeu o Prêmio Goethe de Literatura pelo conjunto de sua obra.
Um autor contemporâneo de Freud disse que ele era “Um científico num corpo de
poeta.”
Anelore Schuamnn
psicanalista
(A Psicanálise: Ruptura e abertura a
um novo pensamento científico
parte 2 - Seminário INICIAÇÃO À OBRA DE S. FREUD)
sexta-feira, 26 de abril de 2013
A Psicanálise: Ruptura e abertura a um novo pensamento científico (parte 1)
A psicanálise nasceu com o século XX com a
publicação do livro A
Interpretação dos Sonhos de S. Freud, escritura que apresenta ao mundo algo
novo: o inconsciente.
Nas Novas
Conferências Introdutórias à Psicanálise 1933 - Revisão da Teoria dos Sonhos Freud escreveu:
“O conceito de inconsciente designa o ponto de
virada da ciência, faz a passagem dos procedimentos psicoterapêuticos para a
psicologia da profundidade. A teoria do sonho é o que há de mais característico
e próprio dessa jovem ciência, um pedaço de terra nova, subtraído da crença
popular e do misticismo. A estranheza das afirmações que ela teve que fazer
conferiu-lhe a função de um xibolete cujo emprego decide quem se torna um
seguidor e quem não consegue apreendê-la.”
Para poder se aproximar da psicanálise é preciso
estudar a Obra A Interpretação dos Sonhos,
fazer uma leitura produtiva, transformadora. Nesse seminário, esse é o primeiro
texto de Freud que vamos estudar, vamos dedicar nove aulas para o estudo dessa
obra.
1. A hipnose e a invenção da psicanálise
A história do descobrimento freudiano começa anos antes e está relacionado com a busca de respostas para fenômenos que desafiavam a ciência da época: as enfermidades psíquicas, principalmente a histeria, e os fenômenos criados pela hipnose.
Em Resumo da
Psicanálise ensaio de 1924 escrito para a Enciclopédia Britânica Freud diz:
“Dificilmente
podemos exagerar a importância do hipnotismo no surgimento da psicanálise. Seja
no aspecto teórico, seja no terapêutico, a psicanálise administra um legado que
herdou do hipnotismo.”
Os estudos da histeria e da hipnose levaram Freud à
descoberta do inconsciente. Como se deu isso?
Médico clínico em Viena, Freud tratava das “doenças
nervosas” como eram chamadas na época as neuroses, utilizando as técnicas disponíveis entre as quais a
hipnose. Foi para a França aprimorar essa técnica com os maiores especialistas
e assistiu várias demonstrações de hipnose entre os anos de 1885 e 1889. Ficou
fortemente impressionado com os experimentos de Charcot e outros que provocavam
em pacientes sintomas artificiais pela sugestão durante a hipnose. Sintomas com
as mesmas características apresentadas pelos histéricos. Com hipnose, os
médicos também podiam retirar um sintoma, deslocar sua localização ou dar uma
ordem que o paciente realizava sem seu conhecimento consciente.
Em 1889 Freud foi a Nancy realizar um curso com o
renomado Dr. Bernheim, excelente hipnotizador. Desse curso Freud relatou o
seguinte experimento: “O médico entra na enfermaria do hospital, coloca seu
guarda-chuva a um canto, hipnotiza um dos pacientes e lhe diz: ‘Vou sair agora.
Quando eu entrar de novo, você virá a meu encontro com o guarda-chuva aberto e
o segurará sobre minha cabeça.’ O médico e seus assistentes deixam então a
enfermaria. Assim que retornam, o paciente, que não está mais sob hipnose,
executa exatamente as instruções que lhe foram dadas enquanto hipnotizado. E o
médico o interroga: ‘O que é que você está fazendo? Qual é o significado disso
tudo?’ O paciente fica claramente embaraçado. Faz alguma observação
desajeitada, tal como: ‘Como está chovendo lá fora, doutor, achei que o senhor
abriria seu guarda-chuva na sala antes de sair.”
Essa argumentação do paciente, efetuada
impulsivamente, busca oferecer algum tipo de motivo para seu comportamento
aparentemente insensato.
Experimentos como esses criaram perguntas no
espírito investigativo de Freud. Onde
fica a ordem do médico que o paciente executa sem lembrar?
A convicção da existência de poderosos processos
psíquicos que permanecem ocultos à consciência humana era uma noção que Freud
escutou de alguns médicos, porém nenhum deles levou adiante a investigação
nesse campo.
Anelore Schuamnn
psicanalista
(A Psicanálise: Ruptura e abertura a
um novo pensamento científico
parte 1 - Seminário INICIAÇÃO À OBRA DE S. FREUD)
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