terça-feira, 16 de abril de 2013

As Ciências Humanas Parte 2


                 JACQUES LACAN

     Já Jacques Lacan em seu texto: Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise (apresentado no Congresso de Roma em 1953) nos diz que a psicanálise desempenhou um papel na direção da subjetividade moderna, e não pode sustentá-lo sem ordená-lo pelo movimento que na ciência o elucida.
     É esse o problema dos fundamentos que devem assegurar à nossa disciplina seu lugar nas ciências: problema de formalização.
     Lacan coloca que é a função simbólica que situa a psicanálise no cerne do movimento que instaura uma nova ordem das ciências, com um novo questionamento da antropologia.
     E afirma que essa noção já estava na ciência verdadeira, (como chama, a que parte do Teeteto[1]). Essa noção, diz, foi que se degradou com a inversão positivista que, colocando as ciências do homem no coroamento do edifício das ciências experimentais, na verdade as subordinou a estas.
     Mas hoje em dia, e Lacan fala em 1953, as ciências conjecturais (humanas) vieram resgatar a noção da ciência de sempre, elas nos obrigam a rever a classificação das ciências que herdamos do século XIX, num sentido que os espíritos mais lúcidos denotam claramente.
     Basta acompanharmos a evolução concreta das disciplinas para nos apercebermos disso.
     E nos dá o exemplo da linguística, já que é esse o papel que ela desempenha na vanguarda da antropologia contemporânea.
     A forma de matematização em que se inscreve a descoberta do fonema, como função dos pares de oposição compostos pelos menores elementos discriminativos captáveis da semântica, levou Lacan aos próprios fundamentos nos quais aponta a teoria final de Freud, ou seja, numa conotação vocálica da presença e da ausência, as origens subjetivas da função simbólica.
     E aí faz a pergunta: não é patente que um Lévi-Strauss[2], ao sugerir a implicação das estruturas da linguagem e da parte das leis sociais que rege a aliança e o parentesco, já vai conquistando o terreno mesmo em que Freud assenta o inconsciente?
     Assim sendo, é impossível não centrar numa teoria geral do símbolo uma nova classificação das ciências em que as ciências do homem retomem seu lugar central, na condição de ciências da subjetividade. Indiquemos o princípio disso, que não deixa de invocar uma elaboração.
     Lembro de ter escutado de meu professor de Ética no Científico,
que o homem foi à lua, e chega em casa e briga com a mulher. Numa clara crítica ao tecnicismo e ter deixado por décadas de lado a subjetividade humana.
     No prefácio deste texto, que também é conhecido como o Relatório do Congresso de Roma, Lacan colocou a seguinte epígrafe:
     “Em particular, não convém esquecer que a separação entre embriologia, anatomia, fisiologia, psicologia, sociologia e clínica não existe na natureza, e que existe apenas uma disciplina: a neurobiologia, à qual a observação nos obriga a acrescentar o epíteto humana, no que nos concerne. (Citação escolhida para exergo de um Instituto de Psicanálise em 1952)”
                       
                       Exemplos: - o primeiro, matemático: primeiro tempo, o homem objetiva em dois números cardinais duas coleções que contou; segundo tempo, realiza com esses números o ato de adicioná-los (ex. de Kant, Crítica da razão pura).
                        - o segundo – histórico: primeiro tempo, o homem que trabalha na produção em nossa sociedade inclui-se na categoria dos proletários; segundo tempo, em nome desse vínculo, ele faz greve geral.
                        Esses dois exemplos se cruzam numa dupla inversão: a mais subjetiva ciência forjou uma nova realidade, as trevas da divisão social armam-se de um símbolo atuante.
                        Assim Lacan argúi que já não parece aceitável a oposição que se traçaria entre as ciências exatas e aquelas para as quais não há por que declinar da denominação de conjecturais, por falta de fundamento para essa oposição.
                        Essa frase trago literalmente pois me parece formidável: “Pois a exatidão se distingue da verdade e a conjectura não impede o rigor.”
                        E se a ciência experimental herda a exatidão da matemática nem por isso é menos problemática na sua relação com a natureza.
                        Se abordamos poeticamente quando nosso vínculo com a natureza nos incita ... se não é seu próprio movimento que encontramos em nossa ciência,
                        “... essa voz
                        Que se reconhece ao soar
                        Já não ser voz de ninguém
                        Como é de bosques e mar,”
                        (Paul Valéry)

     A psicanálise só dará fundamentos científicos à sua teoria e à sua técnica ao formalizar de modo adequado as principais dimensões de sua práxis, que no dizer de Lacan são: a teoria histórica do símbolo, a lógica intersubjetiva e a temporalidade do sujeito.




[1] Diálogo platônico sobre a natureza do conhecimento. Nele aparece, talvez pela primeira vez explicitamente na filosofia, o confronto entre verdade e relativismo.

[2] LÉVI-STRAUSS, Claude. “Language and the analysis of social laws”, American Anthropologist,1951.



Lúcia Bins Ely
psicanalista
Partes da aula de abertura do Seminário Introdução à Obra de Sigmund Freud

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