JACQUES LACAN
Já Jacques Lacan em seu
texto: Função e campo da fala e da
linguagem em psicanálise (apresentado no Congresso de Roma em 1953) nos diz
que a psicanálise desempenhou um papel na direção da subjetividade moderna, e
não pode sustentá-lo sem ordená-lo pelo movimento que na ciência o elucida.
É esse o problema dos
fundamentos que devem assegurar à nossa disciplina seu lugar nas ciências:
problema de formalização.
Lacan coloca que é a
função simbólica que situa a psicanálise no cerne do movimento que instaura uma
nova ordem das ciências, com um novo questionamento da antropologia.
E afirma que essa noção
já estava na ciência verdadeira, (como chama, a que parte do Teeteto[1]).
Essa noção, diz, foi que se
degradou com a inversão positivista que, colocando as ciências do homem no
coroamento do edifício das ciências experimentais, na verdade as subordinou a
estas.
Mas hoje em dia, e Lacan
fala em 1953, as ciências conjecturais
(humanas) vieram resgatar a noção da ciência de sempre, elas nos obrigam a
rever a classificação das ciências que herdamos do século XIX, num sentido que
os espíritos mais lúcidos denotam claramente.
Basta acompanharmos a
evolução concreta das disciplinas para nos apercebermos disso.
E nos dá o exemplo da
linguística, já que é esse o papel que ela desempenha na vanguarda da
antropologia contemporânea.
A forma de matematização
em que se inscreve a descoberta do fonema,
como função dos pares de oposição compostos pelos menores elementos
discriminativos captáveis da semântica, levou Lacan aos próprios fundamentos
nos quais aponta a teoria final de Freud, ou seja, numa conotação vocálica da
presença e da ausência, as origens subjetivas da função simbólica.
E
aí faz a pergunta: não é patente que um Lévi-Strauss[2],
ao sugerir a implicação das estruturas da linguagem e da parte das leis sociais
que rege a aliança e o parentesco, já vai conquistando o terreno mesmo em que
Freud assenta o inconsciente?
Assim sendo, é
impossível não centrar numa teoria geral do símbolo uma nova classificação das
ciências em que as ciências do homem retomem seu lugar central, na condição de
ciências da subjetividade. Indiquemos o princípio disso, que não deixa de
invocar uma elaboração.
Lembro de ter escutado
de meu professor de Ética no Científico,
que
o homem foi à lua, e chega em casa e briga com a mulher. Numa clara crítica ao
tecnicismo e ter deixado por décadas de lado a subjetividade humana.
No prefácio deste texto,
que também é conhecido como o Relatório do Congresso de Roma, Lacan colocou a
seguinte epígrafe:
“Em particular, não
convém esquecer que a separação entre embriologia, anatomia, fisiologia,
psicologia, sociologia e clínica não existe na natureza, e que existe apenas
uma disciplina: a neurobiologia, à
qual a observação nos obriga a acrescentar o epíteto humana, no que nos concerne. (Citação escolhida para exergo de um
Instituto de Psicanálise em 1952)”
Exemplos: - o primeiro,
matemático: primeiro tempo, o homem objetiva em dois números cardinais duas
coleções que contou; segundo tempo, realiza com esses números o ato de
adicioná-los (ex. de Kant, Crítica da
razão pura).
-
o segundo – histórico: primeiro tempo, o homem que trabalha na produção em
nossa sociedade inclui-se na categoria dos proletários; segundo tempo, em nome
desse vínculo, ele faz greve geral.
Esses dois exemplos se
cruzam numa dupla inversão: a mais subjetiva ciência forjou uma nova realidade,
as trevas da divisão social armam-se de um símbolo atuante.
Assim Lacan argúi que já
não parece aceitável a oposição que se traçaria entre as ciências exatas e
aquelas para as quais não há por que declinar da denominação de conjecturais,
por falta de fundamento para essa oposição.
Essa frase trago
literalmente pois me parece formidável: “Pois a exatidão se distingue da
verdade e a conjectura não impede o rigor.”
E se a ciência
experimental herda a exatidão da matemática nem por isso é menos problemática
na sua relação com a natureza.
Se abordamos
poeticamente quando nosso vínculo com a natureza nos incita ... se não é seu
próprio movimento que encontramos em nossa ciência,
“...
essa voz
Que se reconhece ao soar
Já não ser voz de
ninguém
Como é de bosques e
mar,”
(Paul Valéry)
A psicanálise só dará
fundamentos científicos à sua teoria e à sua técnica ao formalizar de modo
adequado as principais dimensões de sua práxis, que no dizer de Lacan são: a
teoria histórica do símbolo, a lógica intersubjetiva e a temporalidade do
sujeito.
[1]
Diálogo platônico sobre a natureza do conhecimento. Nele aparece, talvez pela
primeira vez explicitamente na filosofia, o confronto entre verdade e
relativismo.
[2] LÉVI-STRAUSS, Claude. “Language and
the analysis of social laws”, American
Anthropologist,1951.
Lúcia Bins Ely
psicanalista
Partes da aula de abertura do Seminário Introdução à Obra de Sigmund Freud
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